O quarto encontro do "Ciclo de Conversas", organizado pela Rede DLBC Lisboa e EAPN Portugal, com o tema "E Depois da Prisão? A Desinstitucionalização e o Regresso à Comunidade" decorreu no dia 20 de junho de 2024, na Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa, e reuniu três representantes de diferentes organizações para discutir os desafios e respostas para a reintegração de ex-reclusos na sociedade. Filomena Espírito Santo apresentou o projeto "Estado Puro - Há Outras Formas de Fugir à Prisão", que se foca na integração sócio-profissional através da capacitação de reclusos. A representante da Cruz Vermelha Portuguesa alertou para o facto de que “por cada duas pessoas que saem da prisão, uma regressa”. Os dados revelam que a maioria dos reclusos são homens, com indicadores que apontam para baixos níveis de literacia, falta de respostas comunitárias e condições económicas adversas. Ana Paula Santos, técnica da equipa da Reinserção Social Lisboa Penal 1, abordou a questão das penas alternativas e a sobrecarga do sistema judicial. Atualmente, há cerca de 36 mil processos prévios à prisão, quase três vezes mais do que o número de reclusos. Um dos maiores desafios na reintegração é o facto de o processo se iniciar perto do final das sentenças: “A reinserção deve começar logo quando a pessoa entra na prisão, e não apenas quando sai. (...) O Estado tem tanto de saber punir como reintegrar.” A Associação Fraternidade Cristã - O Companheiro apresentou uma abordagem holística e familiar da organização, que oferece acompanhamento psicológico, uma residência masculina, integração profissional e planos individuais de inclusão, independentemente da natureza do crime. Helena Baron sublinhou a perda de competências psicossociais: “Quem esteve preso muito tempo, por vezes, perde a noção do tempo. Pensa que não faz diferença chegar às 9 horas ou às 10 h ao local de trabalho. (...) Não consegue fazer um ato tão simples como atravessar a estrada porque o ruído dos carros perturba de tantos anos que esteve isolado. Que o acto de andar de metro incomoda porque se sente preso debaixo de terra. Temos de saber colocar-nos nos sapatos dos outros.”&nbsp; A demora nos processos judiciais relacionados com crimes graves, que pode levar 6 anos ou mais, foi também abordada: “Quando a Justiça demora, não é justiça. Um jovem com 20 anos é condenado aos 30 e preso aos 32. A pessoa já não é a mesma que era aos 20 anos, e isso até pode provocar situações de injustiça", afirmou Ana Paula. A falta de suporte na área da Saúde foi outra questão levantada, já que, até recentemente, os processos clínicos dos ex-reclusos não estavam integrados no Sistema Nacional de Saúde, dificultando o acesso à medicação e aos cuidados após a libertação.Existe também uma grande dificuldade social em aceitar pessoas que passaram por este percurso. Filomena Espírito Santo destacou a necessidade de mudar a linguagem e deixar de se utilizar o termo “ex-recluso”: “São simplesmente pessoas, a pena já foi cumprida.” Ana Paula Santos sublinhou a importância de sensibilizar os advogados oficiosos para os processos legais que possam impedir que o registo criminal interfira nas oportunidades de emprego dos ex-reclusos, questionando a necessidade de um requerimento. “Talvez precisemos de mudar a lei”, sugeriu. A directora-geral da Rede DLBC Lisboa, Maria José Domingos, reforçou a necessidade de demonstrar ao Estado que a prevenção e a reintegração são soluções mais dignas, económicas e eficazes a longo prazo, sendo crucial garantir apoios financeiros contínuos às pessoas e às organizações que trabalham na reintegração.

“inês coimbra”

"E Depois da Prisão? A Desinstitucionalização e o Regresso à Comunidade"