[Entrevista GAL] Fórum Urbano: Uma resposta acessível e divertida de Desenvolvimento Local para Agentes Transformadores

Estamos na Ajuda, mais precisamente num Território de Intervenção Prioritária que Irina Gomes, Gonçalo Folgado e Isabel Raposo sentiram necessidade de conhecer para além dos muros da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa onde estudaram ou dão aulas. Sentam-se à volta de uma mesa redonda na sede do GESTUAL [Grupo de Estudos Socio-Territoriais, Urbanos e de Ação Local] três arquitetos e agentes transformadores para “uma conversa” amena sobre um tema complexo: a transformação “de baixo para cima” da cidade de Lisboa, especialmente a partir da experiência do BIP/ZIP “Fórum Urbano”. Os dois primeiros pertencem à associação Locals Approach e têm um pé na academia e outro na intervenção local, a última é professora nesta faculdade e, nas palavras de Gonçalo, “quase a mãe” da Locals. Saiba como estes associados da Rede DLBC Lisboa – e a Universidade Autónoma de Lisboa – uniram esforços para levar a cabo o chamado “BIP/ZIP dos BIP/ZIPS”, bem como o que nos reserva o futuro desta iniciativa.

 

Que responsabilidades teve a Locals Approach enquanto entidade promotora do Fórum Urbano?
GF: Acabou por desempenhar várias tarefas no desenvolvimento do projeto, nomeadamente a gestão da parceria. Articulámos os parceiros entre si, nomeadamente a Faculdade de Arquitetura [da Universidade de Lisboa] e a [Faculdade de Arquitetura da] Universidade Autónoma de Lisboa, e os parceiros que foram aparecendo e sendo capitalizados para dentro do projeto.

Que critérios regeram a vossa escolha das entidades parceiras para o chamado “BIP/ZIP dos BIP/ZIPs”?
GF: Passou pela confiança [nas professoras] Isabel Raposo e Filipa Ramalhete, que estavam à frente das entidades. Partindo desta, tudo o resto espoleta. Outro critério teve a ver com a forma de estar da Locals [que passa] muito [pela] ação-investigação.

Quais foram os principais contributos de cada uma destas faculdades?
IG: Este BIP/ZIP foi um projeto bastante complexo, com muita informação para ser trabalhada, sendo que a academia tem essa mais-valia que é dominar um número grande de dados e dar um contributo cientificamente fundamentado para o evoluir dos processos. As mais-valias [desta colaboração com a academia] têm a ver ainda com a análise das categorias que podiam ser criadas para dar algum contributo útil no âmbito da atualização do próprio programa de financiamento [BIP/ZIP].
GF: Acreditamos muito na chamada “extensão universitária”, [n]a faculdade ir além daquilo que são os seus muros, limites.
IG: [Quisemos] trazer a realidade à faculdade, fazer uma ponte.

Este BIP/ZIP foi um bom pretexto para fazerem essa ponte?
IG: Com 3 ou 4 pessoas, a Locals não conseguia trabalhar este volume de informação só usando os seus instrumentos de trabalho que tem a ver com o desenvolvimento local, muito ligado às pessoas, muito no terreno. A faculdade não saberia trabalhar aquela informação se não [se] tivesse essa sensibilidade do ponto de vista do trabalho no terreno. A única forma de fazer isto era nesta ponte entre uma associação que já tem este trabalho com a sociedade civil, o que a faculdade muitas vezes não faz.

Porque sentiram a necessidade de se candidatarem com esta proposta? 
GF: Desde 2013, quando começámos [a fazer projetos] BIP/ZIP no terreno, sentíamos falta de cruzar informações, de uma forma disponível para toda a gente aceder a projetos e outros atores que estivessem a fazer coisas semelhantes ou complementares. Imagina que estás num projeto de intervenção local e agora tens uma infraestrutura comunitária para reabilitares e não és arquiteto e dizes “Preciso de alguém que me ajude a concretizar esta parte do projeto. Quem é que no BIP/ZIP inteiro está a fazer o projeto de arquitetura?”. Esta plataforma é uma resposta.

 

 

A plataforma é o culminar de uma série de atividades realizadas no âmbito do projeto…
GF: Tivemos um conjunto de atividades de sensibilização e de capacitação. Esses workshops foram feitos a partir das necessidades aferidas junto de outros agentes transformadores que sentiam ser importantes para o fortalecimento da sua atuação. Daí termos feito um workshop de apoio às candidaturas ao programa BIP/ZIP. Fizemos ainda um workshop de pensamento sistémico. Muito do tecido associativo em Lisboa tem esta necessidade de perceber como funcionam os sistemas na sua globalidade de forma a poder impactar positivamente estes.
IG: A plataforma digital, apesar de parecer o culminar de várias atividades, foi a primeira coisa que se começou a fazer. Sentimos que havia uma necessidade intensa daquilo que eram os outros atores em aceder à informação da rede BIP/ZIP de uma forma rápida, simples, divertida, em vez de PDFs infinitos. [O que pensámos foi que] tínhamos que desenhar isto de uma forma intuitiva, com um layout fácil. Várias discussões [em torno da plataforma] foram enriquecidas com as experiências nestes workshops. As três categorias pelas quais podes procurar no website [freguesias, entidades e atividades] vieram um bocadinho de um desses workshops.

Porquê é que a plataforma só nos fornece dados entre 2011 e 2016?
GF: A candidatura foi submetida no programa de 2017. Não significa que pare ali, até porque é um trabalho que está ongoing e que se pretende aberto e continuado. A nossa ideia de plataforma nunca foi pensada como Arquivo. Ela tem um propósito de registo histórico do que foi feito, é uma sistematização, uma catalogação de todas as intervenções que foram desenvolvidas no âmbito do programa BIP/ZIP durante esse período de tempo, mas a nossa visão está em constante transformação e vai sendo atualizada ao longo do tempo.

Como?
GF: Estamos em articulação com o DDL [Departamento De Desenvolvimento Local da Câmara Municipal de Lisboa] para ver quais são os possíveis moldes de um protocolo que permita a atualização desta base de dados. Ao fim ao cabo, o trabalho mais oneroso já está feito.

Qual o principal desafio desta plataforma?
IG: A Plataforma é só um meio para atingir um fim. O grande desafio do BIP/ZIP tem a ver com a transformação da realidade física.
GF: Exato. E essa transformação [deve ser feita] de uma forma concertada e integrada, estratégica e não casuística. Há tantos planos e estratégias municipais com grande validade, com objetivos bastante concretos, e muitos deles com dotação financeira para a sua consecução, e não vejo critérios de majoração de candidaturas que tenham como objetivo o reforço do alcance dessas metas definidas pela própria Câmara Municipal de Lisboa.
Imagina: tens o território A e a associação B. Esta associação está habituada a trabalhar com seniores, mas o grande problema deste território tem a ver com os jovens NEET. Como esta associação trabalha com seniores, os seus projetos, metodologias, objetivos vão direcionar-se para essa temática e para esse público. Tendo a Câmara por sua vez essas metas identificadas seria do interesse público compatibilizar estas intervenções de modo integrado para a consecução dessa meta. Se houver uma associação que propõe uma candidatura que vá bater nestes propósitos, tem de ser impreterivelmente majorada, até para que se fomente o culto de intervenções integradas. Por muito bom que um projeto seja tem que se ver a sua adequação ao território em que se está a trabalhar. Não havendo este fio condutor, vamos continuar a transformar realidades, mas não vamos certamente atingir o seu pleno potencial. Estes aspetos também podem ser importantes numa ótica de estímulo da forma de operar do tecido associativo de Lisboa, no sentido de conseguir dar um salto qualitativo numa lógica de concertação entre o que é feito pelo município e a sua articulação/complementaridade com a atuação das associações e organizações não-governamentais.

Isabel, qual foi o principal contributo da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa como entidade parceira?
IR: Este projeto foi interessante porque permitiu fazer algo que não existia: a compilação dos vários projetos BIP/ ZIP e ter essa informação organizada, o que permite a partir daqui fazer-se muitos estudos, [fornecendo] material para depois ser utilizado para decisões políticas, para reflexões mais científicas a nível das universidades. É um material bruto que permite reflexões sobre o que está a acontecer nestes territórios onde existem BIP/ZIPs. É a base para poder haver uma co-monitorização e avaliação com os próprios parceiros. E agora estão todos os dados ali, organizados por temas, comunidades, territórios…

Quem incluiria nessa co-monitorização, além da academia?
IR: As próprias associações, os habitantes… [É importante] constituir-se um processo em que se oiça todas as partes e saber em que se traduz o êxito [declarado] por técnicos ou os agentes que estiveram à frente dos BIP/ZIP e se este efetivamente o foi. Houve mudança nas pessoas? Na perceção? É importante haver uma apropriação da noção do Direito à Cidade, entendida como acesso a serviços, mas também à transformação do quotidiano através da capacidade dos habitantes se envolverem na transformação do seu espaço. Era importante analisar estes projetos à luz desta noção.

Esta Faculdade também participou numa exposição do Fórum Urbano…
GF: A exposição itinerante foi a partir da faculdade. Com os contactos com o GESTUAL chegámos ao departamento de design e depois lançámos um concurso. Estivemos a fazer a monitorização dos conteúdos lecionados com os professores para responderem de uma forma bastante concreta àquilo que era o enunciado. Depois monitorizámos o próprio concurso e brevemente com o apoio da Universidade Autónoma de Lisboa iremos concretizar fisicamente o objeto expositivo com a intervenção de alunos na tal lógica de expansão universitária.

 

 

Falemos agora do Manual de Desenvolvimento Local que criaram no âmbito deste BIP/ZIP. Como se joga um manual?
IR: Achei muito interessante a ideia do jogo. A partir do conhecimento dos projetos foi possível organizar e introduzir de uma forma lúdica a discussão sobre esta realidade-intervenção para pessoas que não estão propriamente dentro destas questões do desenvolvimento [local]. Tenciono replicar a metodologia no âmbito de um projeto que temos em Maputo. É muito importante a noção da festa nestes processos. Temos de fazer isto com alegria.
GF: Toda a gente, desde pequenino, faz associação de ideias é portanto um exercício de criatividade que não está ao alcance apenas de alguns iluminados, como as construções sociais nos fazem crer. Porque motivo é que não conseguimos fazer isto a partir de conceitos técnicos mas que podem e devem ser colocados desta forma mais lúdica, na exploração daquilo que é o desconhecido? Tens um conjunto de noventa atividades e metodologias que identificámos nos BIP/ZIP e anunciámos parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 2020-30 e outros objetivos que, enquanto equipa, achámos pertinentes. A partir daí, desenvolvemos este jogo com os hexágonos para criar árvores de projeto, de forma bastante visual, e aí o mérito é todo da Inês Veiga, que correspondessem àquelas metas que nos propúnhamos alcançar. É interessante perceber que o jogo em si desconstrói a árvore de projeto (objetivo, metodologia, atividade). Há atividades que são metodologias, há metodologias que são atividades e objetivos que podem ter um bocadinho de atividades em si. O facto de teres uma árvore que é mista – em que tens as cartas azuis em cima das encarnadas – significa o que encontramos na realidade quando estamos a intervir.

Este jogo foi “jogado” no evento do Fórum Urbano, em fevereiro passado. Qual a vossa perceção do impacto tido sobre os presentes?

IG: Foi super positivo. As pessoas – membros de organizações da sociedade civil, técnicos da Câmara ou vindas de empresas e da universidade – já estavam familiarizadas com os termos… o que é mais fácil. O que foi divertido nessa experiência foi perceber como é que podiam potenciar a sua atividade um pouco mais setorial [ao confrontá-la com] outras experiências e visões, como poderiam fazer isso colaborativamente. Foi muita essa a riqueza daquela atividade.

É um manual vivo e aberto…
GF: O engraçado e o mais interessante disto tudo é que, com o mesmo leque de cartas, podes construir mil soluções diferentes para o mesmo problema.
IG: Uma coisa que notei no evento do Fórum Urbano foi que se expressavam as personalidades e competências das pessoas na mesa. Depois havia um alinhar para se alcançar um objetivo [comum]. Havia uma discussão sobre o que ficava de fora e o que se mantinha. Isso torna o trabalho mais eficiente e consensual. É essencial para trabalhar na mesma direção.
IR: É uma aprendizagem de trabalhar em grupo, pode ajudar a criar novas sinergias.

Que informação pertinente nos pode devolver o mapa co-construído?
IG: Há muito para fazer, mas isto demonstra um caminho… O potencial de transformação é enorme em Lisboa. [Esta experiência] permite ver que deve haver uma intervenção integrada por parte dos atores da sociedade civil com as estratégias municipais. Para mim isso é gritante. Faz confusão não haver ligação entre estes sistemas…
GF: A plataforma é uma boa ferramenta para discutirmos sobre o tipo de problemas que cada território tem, sobre o tipo de soluções que estão a ser apresentadas pelas associações e quais são os desígnios e critérios de intervenção identificados pelo município. Quando esta tríplice aliança se formar, acho que aí, sim, o programa poderá funcionar na plenitude do seu potencial, até lá ainda há muita margem para melhorar.
IR: Seria importante, depois de sistematizada esta informação, voltar ao terreno, fazer reuniões de discussão sobre o impacto desses projetos, o que faz falta, o que se avançou, o que se aprendeu, porque aqui há sempre um processo de transformação individual, além do território e coletivo. Esta é uma dimensão fundamental. Se não mudarmos todos, o mundo não muda.

Um fórum – no sentido romano do termo – era o centro da vida pública. Podemos dizer que conseguiram com este projeto que o centro da vida pública fosse onde os cidadãos estão, independentemente de se encontrarem no centro ou na periferia da cidade?
IG: Não, porque foi só um projeto. Conseguimos levar a vida pública onde o projeto estava, mas faltam todos os outros sítios onde o projeto não está. Conseguimos promover um bocadinho estas sementes, [a noção de] que é preciso fazer isto fora do centro…
GF: A ideia é que o Fórum seja disseminador de vários focos de vida pública e não o centro da vida pública em si.

Que falhas no programa BIP/ZIP esta ferramenta veio ajudar a colmatar?
GF: Enquanto líder de uma organização, como agente transformador, queres ir à procura de parceiros, de referências… está ali tudo. Um programa destes não se pode dizer que tenha falhas, tendo em conta o seu cariz ongoing, de ação contínua e continuada, no entanto tem [esta ferramenta] de haver espaço para melhorar e ser otimizado ano após ano de forma continuada.

Em que aspeto o programa pode ser melhorado?
GF: É preciso entender que por detrás deste programa está uma equipa de técnicos de bastante valor, que muitas das vezes faz omeletes sem ovos e que corre mesmo por gosto. Mas na minha opinião penso que há espaço para melhorar em alguns aspetos, a começar por exemplo ainda na fase de avaliação de candidaturas deveria de haver explicitamente critérios de majoração para candidaturas/projetos que fossem complementares a objetivos e que respondessem a problemáticas identificadas pelos serviços municipais, através da leitura e citação de documentos como o Diagnóstico Social de Lisboa, a Estratégia Municipal de Adaptação ás Alterações Climáticas de Lisboa, o Plano de Ação para as Energias Sustentáveis e o Clima, o próprio PDM, entre tantos outros documentos com informação importante que deve ser considerada nas intervenções do programa BIP/ZIP. Quem está no terreno sabe que o programa está a ter um tremendo impacto na vida das comunidades e na qualidade da atuação do setor associativo que por via das parcerias se tem vindo a desenvolver bastante, até pelo contacto com as Universidades que participam nos projetos, mas creio que é fundamental a publicação da avaliação de impacto do programa, bem como a revisão da carta BIP/ZIP, que nos podem dar pistas bastante valiosas para continuarmos a co-desenhar o futuro de Lisboa. Creio que outra melhoria que pode surgir é mesmo a criação de um banco de recursos (humanos, físicos, logísticos, etc…) que poderia reforçar quer as parcerias entre territórios e organizações, mas essencialmente reforçar a intensidade e a profundidade com que as intervenções impactam as comunidades e os territórios que trabalham.

Por último, este Fórum Urbano tem futuro?
GF: Em qualquer projeto que a Locals promova haverá sempre futuro. É certo e sabido que não abandonamos o barco. Até lhe podemos dar outro nome, mas as intenções estão lá sempre: impacto e futuro. Enquanto existir a Locals Approach, podem ter a certeza que haverá pessoas motivadas para o desenvolvimento local de base participada. O fórum tem tanto futuro em si, e sinal disso são as várias iniciativas que temos vindo a desenvolver e participar, desde o projeto de proteção ambiental em que estamos a trabalhar, na Cova do Vapor, passando pelas várias sessões que temos promovido com os alunos nas faculdades de Arquitetura da Universidade de Lisboa e da Autónoma. Fomos também recentemente convidados para a conferência de celebração do 75º aniversário do tratado internacional de Bretton Woods, que definiu a base do nosso sistema financeiro em 1944 e 75 anos depois há a necessidade de o refundar a partir de bases participativas e colaborativas, o facto de termos sindo convidados para este momento tão especial é um reconhecimento do trabalho que temos vindo a desenvolver por aqui, quer nas metodologias de proximidade, quer pelas ferramentas que temos vindo a desenvolver, mas sobretudo pelo conhecimento que temos vindo a gerar sobre sistemas e de como impactar estes a partir das bases, tendo sempre como premissa a inclusão dos cidadãos nos processos de transformação.

 

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