[Reportagem WISE] Fórum “Deita Cá para Fora”, um contributo para um bairro e um mundo “lixo zero”

A quarta sessão do Fórum “Deita Cá para Fora”, iniciativa da Zero Waste Lab Portugal, foi diferente das anteriores. Nesta edição a Rede DLBC Lisboa, que gere o projeto WISE em Portugal, integrou a organização, trazendo para o centro do debate uma dimensão europeia, além da escala individual e comunitária em matéria de ambiente. Tarefa impossível sem a presença e o apoio incontornável do Espaço Europa, parceiro do projeto WISE desde o primeiro momento.

Cerca de 25 cidadãs e cidadãos divididos em três grupos. Três mesas. Canetas à disposição para responder às duas perguntas deixadas nas folhas de flipchart estacionadas em cada “paragem”. Quinze minutos para cada par de questões. Água, uvas, morangos e cajus comprados a granel, zero plásticos sobre as mesas.

Adoptada a dinâmica de world café, que permitiu a rotatividade e a resposta de todos os grupos a todas as questões, cada cidadão presente teve oportunidade de se manifestar e posicionar neste campo, à escala individual, comunitária e europeia.

Rewind. Ao longo do ano, no âmbito do projeto BIP/ZIP “Lixo Zero Mouraria”, a Zero Waste Lab Portugal tem reunido em várias sessões informais a sociedade civil – cidadãos deste bairro lisboeta, mas não só – para discutir como podemos todos contribuir para um bairro “lixo zero”, aproveitando esta oportunidade para “pilotar soluções de impacto positivo”.

Nesta sexta-feira (dia 31 de maio), uma novidade foi acrescentada ao debate. Desta vez há uma mesa dedicada à Europa, curiosamente onde a discussão está mais acesa. “As medidas europeias inspiram-me a ser Lixo Zero?” e “Que incentivos governamentais preciso para ser Lixo Zero?” são as perguntas literalmente em cima da mesa.

 

 

Cabe a Fernanda Fernandes, representante do Espaço Europa neste Fórum, a árdua tarefa de apresentar a agenda da Comissão Europeia para o Ambiente, trazendo para o centro do debate algumas diretivas e boas práticas. Mas os restantes colegas de mesa continuam a defender que há “falta de informação e transparência quanto às medidas [europeias]”, que os lobbies [económicos] condicionam a ação política e que, além das medidas, são necessários “incentivos”. Concorda-se, no entanto, que o tema é prioritário e que a Europa política deve ativar o botão da “situação de emergência”.

Já antes Fernanda tinha tentado exemplificar como é que Comissão Europeia e o Parlamento Europeu se têm comprometido com um futuro verde, ao apresentar “Oona”, uma curta-metragem integrada na campanha “EUandMe” sobre o importante papel da Rede Natura na preservação da biodiversidade em território comunitário desde os anos 1990: “Graças à Rede Natura a [adolescente europeia] Oona consegue ver e saber o que é um urso“. Depois cita uma diretiva recente no sentido de reduzir os plásticos descartáveis e o lixo marinho.

Mesmo que crítica, a discussão flui saudável e construtiva, tornando-se claro que as opções políticas da União Europeia em matéria de ambiente continuam a passar ao lado de muitos cidadãos ou, quando passam à frente, por vezes, baseiam-se em “mitos”, sugere Fernanda. Uma das ações europeias lembradas por Lívia, uma das participantes, foi a medida “cobarde” da taxação dos sacos de plástico, mas que nas suas palavras acabou por ter um efeito positivo.

Os presentes pedem, a nível europeu e nacional, “mais sensibilização”, a “implementação de programas] nas escolas”, “incentivos económicos” aos cidadãos para a transição energética no que diz respeito à mobilidade, a aplicação de “leis a todos” incluindo grandes corporações, a simplificação de “burocracias e regulamentos”, “o incentivo do ecodesign”, “mais informação sobre o modo de produção e custo ecológico” dos produtos, a “criação de novos empregos” verdes e a redução de horários de trabalho. Sugerem ainda “desregulamentar água – precisamos de água aproveitada e reciclada” e defendem o “fim de recipientes de plástico para bebidas”.

Todos os contributos registados neste ciclo de fóruns, além dos papelinhos deixados numa caixa de correio plantada num dos corredores do Centro de Inovação da Mouraria [sede da Zero Waste Lab], vão resultar num “Manifesto Lixo Zero” e numa peça de Arte Pública de “provocação e impacto” – afinal, as ações de recolha de lixo na praia organizadas pela Zero Waste Lab podem ter um poder transformador, acreditam. Este documento construído coletivamente a apresentar à Junta de Freguesia e ao Município em setembro, pretende ser, nas palavras de Cristina, da Zero Waste Lab, um “instrumento de lobby” político.

 

 

Como será uma casa e um bairro sem lixo em 2040?

A terceira atividade local do WISE com o contributo valioso deste Fórum – focou-se no futuro da Europa, tendo em conta a responsabilidade individual como promotora de mudança a nível local, Europeu e global, sem esquecer o papel das políticas públicas rumo a uma sociedade “lixo zero”. Os grupos “deitaram cá para fora” ideias de como imaginam um futuro mais sustentável e criativo, longe daquele que herdaram e daquele no qual ainda vivem.

Para 2040 os participantes deste fórum desejam que existam “equipamentos que transformam o lixo in-house”, limites de metros cúbicos de produção de lixo, três pontos de micro-compostagem [para alimentos crus, cozinhados e dejetos] e generalização de prendas feitas em casa ou em segunda mão.

Imaginam ainda um bairro do qual “não saem nutrientes”, onde há impressoras multitoner 3D de uso coletivo e circularidade de recursos. Nos bares e restaurantes “tudo [será] lavável” em bairros onde “o aproveitamento de águas” será “inteligente” e as “políticas locais de lixo zero são aplicadas”. Nas escolas as hortas comunitárias e os compositores serão uma prática comum.

E o que falta hoje a nível individual e a uma escala local para que se produza menos lixo? Na perspetiva dos participantes, faltam mais e melhores políticas públicas, mais tempo para organizar a vida no sentido de minimizar o lixo, mais informação, maior consciência para “alterar hábitos” como “comprar só o que precisamos”, a possibilidade de comprar a granel ou produtos com menos materiais, falta um imposto sobre o lixo. Falta ainda reinventar ciclos de vidas dos materiais e apostar numa maior mobilidade ecológica, mas também reformular o papel da higiene urbana e dos seus intervenientes. Faltam Juntas de Freguesia a promover atividades para envolver a comunidade, espaços comunitários de serviços comuns, maior sentido de pertença e mais “meanwhile gardens” [“terrenos expetantes”].

 

Zero Waste Lab, um laboratório de parcerias e pontes

O quarto fórum do ciclo “Deita Cá para Fora” arranca ao início da tarde numa sala com o ar condicionado avariado, quase 40 graus à sombra. Há quem recorra a leques trazidos de casa ou improvisados. A água com limão e hortelã começa a ser muito cobiçada. As chalaças alusivas ao aquecimento global multiplicam-se, mas desengane-se quem pensa que não se refletiu nem discutiu nestas áridas condições. Não, estes cidadãos são tudo menos um deserto de ideias.

No início da sessão a Zero Waste Lab apresenta-se: a Sara Pinto e a Cristina Sousa, que dinamizaram a atividade, integram um movimento internacional que “quer mitigar o impacto da produção do lixo a nível individual e comunitário” e assente numa “filosofia” que “promove a realização e estilo de vida de impacto positivo” e se baseia “em valores como a responsabilidade partilhada na nossa ação ou no consumo partilhado, [passando ainda pela] tolerância e [pelo] respeito pelos ecossistemas, a sua promoção e conservação”. Em suma: A Zero Waste Lab está comprometida com “uma noção de sustentabilidade de futuro”, remata Cristina. E é para isso que estamos aqui, para “repensar” a nossa relação com o lixo e como chegar a “uma pegada positiva”.

Nesta sala reflete-se mais do que se age, mas “fora de portas”, as ações da Zero Waste Lab não são um pormenor: “Acompanhamos o campeonato nacional de surf, onde fazemos ações de sensibilização na praia, além de recolhas de lixo e construções de peças de arte.” O seu campo de ação pretende ser o mais abrangente possível. Por isso, colaboram com públicos de diferentes setores: restauração, alojamento local, centros de acolhimento e escolas. “Lançamos valores e tentamos construir soluções com eles”, resume uma das mentoras da ONG.

Cristina começou por lembrar que a Zero Waste Lab é também adepta de pontes, trabalhando “muito em parceria com redes sociais e daí esta parceria com a Rede DLBC Lisboa”. No final, Fernanda Fernandes, que a Rede DLBC lisboa convidou para participar neste encontro, desafia a Zero Waste Lab para uma parceria futura. Por sua vez, Acácio, cidadão vindo da Baixa da Banheira, lança um repto aos presentes para irem limpar juntos no dia seguinte a Quinta do Braamcamp, no Barreiro.

 

 

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