[Reportagem GAL] “Comunicar (n)a Rede” | 1º Ciclo de visitas aos associados (III)

Terminamos hoje a cobertura do primeiro ciclo de visitas aos associados da Rede DLBC Lisboa. Ao longo das últimas quatro semanas estivemos junto de doze associados no terreno. Nesta última ronda fizemos uma visita guiada pela Lisboa histórica com a MilAcessos e outra pelas Olaias com a Aga Khan. Fomos ainda ao Bairro Alto conversar com o vice-presidente da FAMALIS e ao C3, no Beato, saber que pontes é que Btuin anda a construir.

 

MilAcessos

 

Lisboa, 23 graus à sombra. O Largo Adelino Amaro da Costa, mais conhecido por Largo das Caldas, é o ponto de encontro deste nosso “passeio” entre a Rua da Madalena e a Rua da Mouraria.

Com um sorriso de orelha a orelha, Paula acaba de descer de uma carrinha adaptada da “Tourism for All”, parceira da MilAcessos nestas visitas guiadas, sentada na sua cadeira de rodas manual. Elemento da Mil Acessos desde a fundação, Paula é também turista dentro da cidade e vem acompanhada de dois explicandos seus [Paula é explicadora]. Juntam-se ao grupo duas senhoras idosas. Uma delas, Maria da Conceição, apoiada na sua bengala, partilha que “corria isto tudo à hora do almoço quando trabalhava no Ministério das Finanças”.

O cicerone, Pedro Brandão, fundador desta cooperativa há cerca de seis anos, explica-nos como nasceu a MilAcessos: Paula e Pedro trabalharam juntos numa agência de viagens de turismo adaptado e na sequência de um despedimento pensaram criar “uma entidade economicamente sustentável, com uma parte social e outra comercial”. O modelo de cooperativa estava escolhido. No início, Paula torceu o nariz ao desafio do colega: “Estás maluco?”. Entretanto, Pedro conseguiu convencê-la – em regime de voluntariado até podia ser.

Aqui estamos nós prontos para ver um dos sócios-fundadores da Rede DLBC Lisboa em ação, a desbravar caminhos numa Lisboa ainda pouco acessível, mas “muito mais do que antes”. “[Os potenciais participantes] entram em contacto connosco através de associações. Vemos um grupo. Consoante as necessidades, vemos se [os requerentes] conseguem ou não fazer [o trajeto]. Grupos grandes não funcionam.”

Para que estes “passeios” sejam gratuitos, a cooperativa leva a cabo visitas regulares com um público internacional, saído dos cruzeiros que param ao largo de Lisboa. A lógica é ter “uma cara de serviços para angariar dinheiro junto de quem pode para fazer depois [estas visitas guiadas] com os que não podem”. ‘Habitué’ em cruzeiros, o físico Stephen Hawkins fez três vezes estas rotas de turismo acessível. Paula recorda um homem “muito acessível”, que pedia que lhe fizessem as perguntas que quisessem, às quais ele respondia através do seu computador. “Não imaginas as pessoas diferentes que temos apanhado”, comenta Pedro.

Além de Hawkins, já serviu de guia a veteranos de guerra e a um Ministro de Estado do Canadá. “Teve um acidente que só se pode ter no Canadá. Vais de carro e embates contra um alce. O animal entrou pelo carro adentro e ele ficou em cadeira de rodas”. Nestas visitas “mais importante do que saber a história, é a capacidade de comunicar, é fazer a ligação com a outra pessoa”. E Pedro sabe muito de História, mas também sabe envolver. É formado nesta área e tem na ponta da língua a história de Lisboa, “feita de histórias”, mas também foi aprendendo muito sobre turismo, mobilidade condicionada e relações humanas ao longo da sua experiência profissional na MilAcessos, na agência de viagens e na Inspeção Geral das Atividades Culturais. “[Nesta entidade um dos seus trabalhos era] tornar as salas de espetáculo acessíveis. Foi o meu primeiro contacto com esta realidade”.

E quais os pontos de paragem ou menção obrigatória neste “passeio”? O largo de São Cristóvão, o Palácio Marquês Ponte de Lima, o Colégio de Santo Antão o Velho, a Ermida de São Sebastião, a Igreja de São Lourenço, um ou outro edifício que remonta à época medieval, a casa da Severa e o estabelecimento comercial Dona Laurinda que ainda “presta imenso apoio à comunidade” na era do “fenómeno da gentrificação”. “Quando fizemos este projeto demos formação aos comerciantes [sobre] como atender… [Imagine que] “eu estou na minha loja, aparece uma pessoa cega, o que é que eu faço?”. Pedro lembra ainda que “a maioria das lojas não é adaptada”, mas que a aproximação pela conversa pode minimizar a inacessibilidade. Também um guia comunitário local foi formado pela MilAcessos para fazer visitas adaptadas a  pessoas com mobilidade condicionada.

Mas voltemos ao “piso péssimo” dos antigos arruamentos da capital portuguesa. Paula diz que “Lisboa não é fácil” para uma pessoa como ela. “Eu ando em Nova Iorque e Londres sozinha”. Aqui precisa de uma pequena grande ajuda dos amigos “a empurrar”. Pedro lembra a dada altura: “Lisboa, com o seu castelo, foi feita para ser inacessível. Tem uma inclinação natural. As ruas eram feitas sem passeios.”

Mais à frente, Paula, que nos conta sem tabus que caiu de um oitavo andar quando estava a apanhar roupa, vai fazer um “comentário mesmo à séria”, quando alguém se queixa, a brincar, das suas queixas: “Temos um piso péssimo. Quando se está a empurrar alguém da cadeira de rodas o trepidar da cadeira [dificulta o movimento]. Pessoas com lesões medulares como eu não têm o equilíbrio que vocês têm e têm a tendência para caírem para a frente quando é uma descida. E estes buracos entre as pedras? A rodinha pode travar e eu sou projetada para a frente.” Outras barreiras? Uma carrinha mal-estacionada que obriga Paula a “passar de lado”, material da construção civil ou dejetos de cão no meio do passeio que levam uma transeunte a indignar-se em alta voz: “Em que país é que nós estamos? Não há respeito! É fazer pouco das pessoas”. Pedro diz que, infelizmente, este tipo de situações – as barreiras e a revolta popular – é “o pão nosso de cada dia”.

Esta visita mostra uma faceta da MilAcessos “mais ligada à pessoa, frente a frente”, explica Pedro. Ao promover “o acesso ao lazer” está-se a trabalhar a vertente pessoal, “encaminhando a pessoa, mostrando-lhe as coisas, fazendo um passeio com elas”. Num nível acima, “criamos as ferramentas para que a pessoa por si própria possa ter acesso ao lazer”. Desta feita, e fruto de um projeto BIP/ZIP, a MilAcessos preparou o guia turístico “Lisboa Histórica para todos“. Neste âmbito, “criámos rotas, dizemos qual a inclinação dos terrenos, etc.”. Foi uma dessas rotas que fizemos, que terminou na Mouraria, com a muralha fernandina no horizonte.

Mais tarde vamos falar da Rede DLBC Lisboa, uma “rede única neste país”. Pedro espera que a Rede continue a “promover encontros”, mais ou menos orgânicos entre associados “pequenos e grandes” e que continue a prestar apoio técnico a candidaturas. É num café, já protegidos do sol, que confessa: “Se calhar as entidades reúnem-se melhor em pequenos cafés… num ambiente mais informal para discutir temas”, como aconteceu com uma parceria com outro associado da Rede DLBC Lisboa, a EPAR [agora FormDefi]. Foi através da rede que a MilAcessos chegou à fala com esta associação, que passou a dar formação em Atendimento, incorporando a componente da Acessibilidade. “A Rede é um facilitador de contactos, de experiências. Ninguém vive sozinho”, remata Pedro, pouco tempo antes de passar à reunião seguinte, no mesmo café, com um colega homónimo da cooperativa.

 

Btuin

 

Mourad e Pedro, dois terços da cooperativa Btuin, conheceram-se no jantar de tomada de posse da direção da Rede DLBC Lisboa em 2015. Pedro esteve presente nesse momento fundacional e quis “participar” da dinâmica da rede, com a qual mantém desde o início uma relação “visceral” e “próxima”. Nessa altura ainda não existia a Btuin sequer.

Vindo do ramo do Turismo, Pedro Gonçalves enveredou pelo terceiro setor em Sintra, na Casa das Cenas, associação que “trouxe” para Lisboa, mais precisamente para as zonas do Beato e da Penha de França, onde o projeto USER do programa europeu URBACT estava a ser implementado. “Apendi imenso” com as associações locais, associações de moradores, alguns parceiros estratégicos, a Câmara Municipal de Lisboa e duas juntas de freguesia com quem trabalhou – “um grupo que se manteve coeso”.

Este projeto acabou por resultar num planeamento estratégico para este território, o “GABIP 2.0”, que a Btuin está empenhada em ativar com as Juntas de Freguesia do Beato e Penha de França, a Câmara de Lisboa, o K Cidade, o Clube Intercultural Europeu e duas associações de moradores. A ideia desta versão 2.0 do Gabinete de Apoio aos Bairros de Intervenção Prioritária [GABIP] é que este não se cinja apenas aos territórios BIP/ZIP, mas contagie e abranja toda a área envolvente.

E qual é o papel da cooperativa na criação desta segunda geração de gabinetes?  A avaliação técnica dos processos, ou seja, “estar presente”, “moderar” e “refrear a vontade absoluta e crítica dos moradores e o ponto de vista meramente político de técnicos das juntas de freguesia”. Em suma, estar between, a construir pontes.

Há cerca de um mês instalado no C3, um espaço de cowork gerido pelo Clube Intercultural Europeu, Pedro diz que lhe faz sentido estar aqui junto da comunidade. “Dá para sentir pulso ao bairro e estabelecer uma relação mais próxima com o Clube”, alimentando “conversações sobre eventuais parcerias”. Um dos seus objetivos, ao trabalhar neste território BIP/ZIP, é fazer algo que quebre com o paradigma de que “aqui não se faz nada”.

Parceria é, aliás, uma palavra cara a Pedro. O projeto Lett Labs [Lisbon Tourism Tech Experiential Labs] é precisamente um consórcio de seis agentes, incluindo a Btuin, focado na Colina do Castelo, uma zona especialmente impactada pelo turismo de massas e pela gentrificação. O papel da cooperativa neste projeto foi fazer o levantamento do que é o registo nacional de alojamento local (moradias e apartamentos) e empreendimentos turísticos (hotéis e hospedarias) na área.

Os parceiros MilAcessos, Warehouse, Perfect Orange, Studio Map e ET Concept trabalharam outras vertentes: dados abertos, sensores, acessibilidade, engenharia de sistemas, arquitetura e urbanismo, etc. O levantamento foi só o primeiro passo de um vasto processo. “Isto no fim dá-nos uma visão holística de um território, em que tens visão mais ou menos precisa das carências, dos desequilíbrios, das virtudes do território, ou dos impactos dos movimentos que fazem e do lixo que potencialmente produzem [os utilizadores daquele território]”.

As ideias fervilham na cabeça de Pedro, que gostava que a Btuin, por exemplo, pudesse “acionar e estar envolvida numa espécie de rede de artes e ofícios da cidade que se torne visível e conhecida do público em geral” e que permita os artesãos locais criarem e venderem produtos aos turistas.

À equipa técnica da Rede DLBC Lisboa lança um desafio ambicioso: a gestão de uma “boa plataforma digital” que apresente um pequeno perfil dos associados e as suas áreas de interesse, oportunidades de financiamento direcionadas por área de interesse e um botão vermelho para os associados carregarem quando necessitarem de assistência técnica. Pedro recorda, a propósito, o “bom exemplo” da Geofundos, mas quer que a Rede vá “mais longe”. A sua sugestão é que a equipa ajude a criar “pequenas redes dentro da Rede por oportunidade”, com a “mediação humana” da equipa técnica.

Depois de filtrado um financiamento por áreas de interesse e comunicado aos potenciais interessados, a Rede deve reunir com estes, sugere Pedro. “Depois de falarem sobre aquele fundo, [os associados] já sabem que estão interessados naquela área e daí nascem outras ideias e formas de gerar riqueza, recursos, projetos… Isso é que faz com que as pessoas se aproximem. As pessoas precisam de oportunidades de financiamento, direcionadas para o seu matière. O que interessa aos associados no fim do dia? A sua manutenção e sustentabilidade“.

 

Aga Khan

Começamos a nossa conversa no café “Marinho”, no Empreendimento de João Nascimento Costa, no antigo bairro da Curraleira, nas Olaias.

João Queiroz, coordenador de Desenvolvimento Comunitário da Fundação Aga Khan, cumprimenta a Dália, do outro lado do balcão, e Xana, do lado de cá. Mais tarde durante a nossa visita a um território no qual a Aga Khan intervém há quase dez anos – nas freguesias do Beato e da Penha de França – vai falar com o João Paulo, representante de uma associação local de moradores, Maria José, residente do empreendimento, entre outras pessoas que finalmente o reconhecem como um elemento da comunidade. Os assuntos das conversas são os mais variados. Entre eles estão o balanço do festival As Costas da Cidade e uma visita de um coordenador do GABIP ao território. “É como tudo na vida. Tudo começa com um olhar, um cafezinho, uma conversa, um bom dia. Costumamos dizer que o nosso modelo é relacional. Só depois é que se torna técnico.” E o que ambos os lados andaram para aqui chegar…

Quando a Aga Khan chegou ali, em 2009, a intervenção comunitária era parca. Foi preciso aproximar-se, escutar as necessidades, diagnosticar e “ganhar confiança”. “Os BIP/ZIP permitiram estar sempre a criar projetos que nos permitem criar espaços de relação”. E os resultados estão bem à vista: “os campos da bola, o skate park, as hortas, a praça [da Quinta do Lavrado], a pintura… nada disto havia”. Tal como não existiam uma série de árvores e canteiros ou os murais pintados a céu aberto com base numa “recolha de “memórias da Curraleira”. Fruto de um projeto PARTIS – Práticas Artísticas para a Inclusão Social, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, estes murais (Pa-redes) representam episódios do quotidiano deste bairro mítico: um incêndio trágico, o transporte de água em tempos de escassez, atividades de lazer e trabalho como a lavagem da roupa no tanque.

E como se faz a ponte entre essas “memórias vívidas” e o presente? De há seis meses para cá o Marinho que vemos a servir cafés no café homónimo é o mesmo que “de viva voz” e “na primeira pessoa” serve de guia das visitas ao bairro. É residente, faz parte da Associação de Moradores e esteve envolvido na organização do festival As Costas da Cidade, onde atuaram várias estrelas locais [cujo reconhecimento já transpôs os limites do bairro] como o cantor Nininho Vaz Maia, a fadista Filipa Cardoso ou os dançarinos da Marcha do Alto da Pina. Este festival é a sequência natural do projeto “Pa-redes” que caiu nas graças do júri do PARTIS. “Eu senti novamente a Curraleira n’As Costas da Cidade, o seu espírito forte, a solidariedade”. Foi este o melhor feedback que João ouviu acerca de um evento construído comunitariamente.

E qual é o papel da Aga Khan nestes territórios? “[Somos] facilitadores, mediadores e intérpretes” em “processos” de “desenvolvimento comunitário de forma participada”. “O nosso objetivo é envolver desde o início na operacionalização o residente, o grupo informal, a associação, os grupos de interesses”, e este envolvimento tanto diz respeito a residentes como a comerciantes que não vivem aqui. É preciso “criar comunidade” e “relações improváveis”. Muitas vezes “entre os diagnósticos mais formais e as necessidades [da comunidade] não existe match [correspondência]”. As preocupações diagnosticadas passam sobretudo pela “habitabilidade e qualidade de vida”, pelo facto por exemplo de não haver um espaço público onde os miúdos possam brincar em segurança. Agora já há vários na zona, já se veem crianças a usar o espaço público, graças a vários projetos de BIP/ZIP.

As dinâmicas comunitárias que envolvam as escolas do território são também um “processo” contínuo da Aga Khan. A Escola Secundária António Arroio e a Escola Básica Engenheiro Duarte Pacheco são dois aliados, que a fundação faz questão de “namorar” sempre que pode. Vimos peças de arte feitas pelos alunos da António Arroio no festival As Costas da Cidade, mas João quer ver mais, “o espaço público como uma tela”. Por que não “um mercado de arte no bairro em que os alunos podiam vender os seus produtos ao público”? Já na escola básica, a pergunta é “como pôr as crianças a olhar a sua comunidade?”

As assembleias de turma têm sido espaços de cidadania e comunidade para pôr os miúdos a elaborarem “diagnósticos participados”. O lixo e o bullying são dois problemas desta escola? As soluções, sugeridas pelos próprios alunos, passaram por organizar um grupo para a limpeza durante os intervalos ou passar uns vídeos de animação à hora do almoço, o período em que se atinge o pico do bullying. “Aqui o aluno vai perguntar ao professor como ele entende os problemas da escola, [o que vai] valorizar a criança, pondo-a a olhar a escola e o professor para além da relação formal”. O que Queiroz mesmo gosta de ver a acontecer são “as comunidades a liderar o seu próprio desenvolvimento”.

E onde pode a Rede DLBC Lisboa entrar nestes processos? João não responde, mas pergunta: “Como poderemos ponderar caminhos de comunicação a partir de redes proximidade?”  

Para já, João alista os recursos que a Fundação Aga Khan pode disponibilizar a outros associados: formação e capacitação em Animação Territorial e angariação de fundos junto do setor privado, “metodologias para promover a participação em cidadania ativa” e “recursos dos sítios onde estamos”.

 

FAMALIS

Estamos em pleno coração do Bairro Alto, a paredes meias com o Mercado dos Ofícios [antigo Mercado do Bairro Alto]. Luis Paisana, vice-presidente da FAMALIS [Federação das Associações de Moradores da Área Metropolitana de Lisboa], recebe-nos na sede provisória de um dos sócios-fundadores da Rede DLBC Lisboa.

À FAMALIS já foi cedido um novo espaço para sede no Empreendimento da EPUL, mas o certificado energético tarda em chegar. A urgência de mudança de instalações é grande, até para atender fisicamente os seus dez associados e começar o processo de “reestruturação interna” da federação.

Esta organização emanada da sociedade civil nasceu há cerca de quatro anos “para contestar uma série de leis que a Câmara Municipal tinha feito implementar e que prejudicava os moradores dos bairros sociais. Através dessa plataforma muitas dessas leis foram suspendidas, revertidas, etc. Partindo desta vitória, avançou-se para a criação de uma federação, aberta a outras associações de moradores fora dos bairros municipais”, como são os casos da AMBA [no Bairro Alto, da qual Luis também faz parte], da ARAL [Alto do Lumiar] e da ART [Telheiras].

Todas estas associações locais de moradores procuram dar voz a problemas específicos, mas na FAMALIS a ideia é abordar os problemas transversais da cidade de Lisboa. Luis vive no Bairro Alto e por isso conhece bem o problema do ruído noturno, tal como outras questões na ordem do dia como o impacto do turismo na cidade, a higiene urbana, a mobilidade e estacionamento, e a segurança e proteção civil. Estes problemas comuns têm sido constantemente abordados nas Reuniões Descentralizadas da Câmara de Lisboa e nas reuniões da Assembleia Municipal. A nível mais macro, esta federação esteve ainda na Assembleia da República por alturas da discussão da Lei da Renda Apoiada, para a qual contribuiu com a “única proposta de lei não partidária”. “A lei aprovada tem inputs nossos”.

Um resistente a quem muitos gabam a resiliência, depois de algumas causas perdidas, o vice-presidente da FAMALIS é o porta-voz de uma certa “impotência” face à rápida transformação da cidade resultante do “boom turístico”, que acaba por se traduzir em “despovoamento”, “exclusão social” e “descaracterização” do seu bairro. Preocupa-lhe que a cidade tenha perdido 30% da população em seis anos, que ir às compras ou arranjar um lugar para estacionar seja uma odisseia para os locais que vão ficando, ou que se destruam facilmente fachadas e edifícios para construir tudo menos habitação para fixar residentes.

A relação com o poder local também não tem ajudado organizações como a FAMALIS a firmar-se: “As Juntas têm tirado poder às associações de moradores, fazendo o que estas faziam. As associações de moradores eram forças de proximidade, organizavam festas, passeios, reuniões. Hoje a Junta faz isso”. Já para não falar do não reconhecimento pela Câmara Municipal e por grupos informais de moradores, que pedem ajuda para resolver problemas específicos, mas que depois não querem assumir responsabilidades, não se tornando associados da federação.

Desengane-se, porém, quem pensa que Paisana não acredita que haja espaço para um turismo “diferente”, mais harmonioso com o dia-a-dia das comunidades locais em Lisboa, dirigido a “turistas que não querem só ver a Torre de Belém ou o Chiado”. E considera que uma moeda local, criada no seio da Rede DLBC Lisboa, podia alavancar um turismo comprometido com o  desenvolvimento local: “Por que não, para sobrevivência das organizações e das pessoas que vivem cá, haver um turismo que mostre o que é verdadeiramente a cidade, um bairro histórico… Por que não pôr os turistas a cavarem na horta, ver coisas genuínas, enquanto existem?”.

Luis gostaria que a “crise do associativismo” desse lugar a uma maior cooperação entre associações, até porque “esta cidade tem potencial de organização”. Preferia que o “trabalho de costas uns para os outros” fosse substituído por mais reconhecimento e diálogo. “Se calhar a FAMALIS não tem ideia do universo de associados [da Rede DLBC Lisboa], nem [d]o que fazem”. Um mapa com um perfil e contacto dos associados poderia ser importante para estabelecer “contacto”.

Da Rede DLBC Lisboa espera, daqui um ano, “mais mobilização”, “mais parcerias” e uma moeda local a mexer. Aos outros associados da rede a FAMALIS está disponível para dar formação. Depois de ter estrutura para implementar, pode, mais concretamente, “dar capacitação em Associativismo”.

 

 

 

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