[Reportagem GAL] “Comunicar (n)a Rede” | 1º Ciclo de visitas aos associados (II)

Na segunda e terceira semanas do “Ciclo de Visitas Comunicar (n)A Rede” fomos visitar mais quatro associados: CLIP, Questão da Igualdade, Clube Intercultural Europeu e FormDefi. Confirmámos no terreno o que já suspeitávamos: não faltam ideias e conhecimentos às pessoas que formam a rede e trabalham no terreno, nem projetos aliciantes na calha. Vamos seguir viagem pela Rede DLBC Lisboa adentro?

 

CLIP

A partir da estação de metro do Lumiar chegamos a pé à sede do CLIP, na Alta de Lisboa, em menos de 10 minutos. Nicole Figueiredo, a trabalhar aqui há três anos, recebe-nos num hall luminoso, com vista para o bairro, com um sorriso rasgado.

Poucos minutos depois já estamos no andar de cima a visitar uma sala polivalente que acolhe uma pequena biblioteca. Neste espaço amplo têm lugar formações ou mesmo as famosas “Conversas a Copo”, “um momento descontraído e engraçado onde cada associado pode partilhar aquilo que quiser”. Quatro ou cinco vezes por ano, ao final da tarde, durante duas horinhas, a sala adapta-se à ocasião: dispõem-se uns puffs no chão, há uma garrafa de vinho, sumos e aperitivos sobre a mesa. E que assuntos têm sido partilhados, discutidos e digeridos nestas Conversas? Participação e Cidadania, Economia Social e Solidária, Alimentação saudável, Governança Partilhada.

Na sala ao lado, visitamos uma pequena despensa apetrechada de material que pode ser requisitado pelos “Clippers” [os associados do CLIP]: panelas, tigelas, máquina de encadernar e plastificar, um kit de coffee break… mas já lá vamos.

Fundado em 2012, o CLIP é um “agregador” de 107 associados, coletivos e individuais, “de todo o lado” – de Lisboa, mas também de Cascais, da Margem Sul ou até mesmo do Porto, incluindo clubes desportivos, associações de moradores, de pais e da defesa do ambiente que trabalham no terreno com crianças, jovens e idosos, entre nacionais, imigrantes e refugiados.

Com um modelo de governança partilhada, esta rede nasce na sequência da saída do programa K’Cidade da Alta de Lisboa, onde esteve 12 anos. As associações que integraram este programa “habituaram-se a trabalhar em conjunto e não queriam perder esta lógica”.

Capacitar os associados é a principal missão do CLIP. E aqui capacitar passa por “formações à medida” nas áreas da gestão das associações e das competências pessoais e sociais. Recorrendo à “prata da casa”, esta rede oferece ainda a sócios e não sócios cinco Consultórios (Fiscal, Jurídico, de Apoio ao Associativismo, a candidaturas a Projetos ou à Renovação de Espaços). O atendimento é personalizado e funciona na lógica de “uma ida ao médico”: “Tenho uma dúvida, estou lá uma hora e esclareço as questões” com um especialista.

Num momento em que o CLIP está apostado na sua expansão, este serviço vai ser alargado já a partir de setembro a toda a cidade numa parceria já acordada com a Câmara Municipal de Lisboa. Aqui o atendimento será feito junto de pequenos grupos. Por exemplo, “se há cinco pessoas a dizerem que querem um consultório de contratação de Recursos Humanos na zona Oriental, então vamos fazer um consultório lá sobre isto”.

Voltemos ao kit de coffee break que vimos na despensa, às colunas de som que nos fazem companhia no hall ou ao projetor de que falamos a seguir: “Para valorizar as trocas informais que acontecem e rentabilizar recursos da rede” foi formalizada uma plataforma de Partilha de Recursos. Regularmente é feito um levantamento de necessidades dos associados e comprado material, colocado posteriormente à disposição dos associados. Neste sistema de troca idealmente recíproca, cada recurso ganha um valor e é aqui que entra em cena uma moeda virtual chamada “Clip”.

Sendo o CLIP uma rede, o que espera de outra rede a que pertence? “Cooperação”. É  importante perceber “o que podemos fazer em conjunto para benefício de todos”. Seria ainda pertinente, através da comunicação, “criar uma identidade comum, uma linguagem que toda a gente identifique para aumentar o envolvimento”.

Ah, já agora, lembra Nicole, os associados da Rede DLBC Lisboa estão convidados a participar no próximo “Conversas a Copo”, que em princípio vai acontecer na última quinzena de agosto na Rua Luís Piçarra, na Alta de Lisboa.

 

Questão da Igualdade

“A Questão da Igualdade [QI] é um projeto de trabalho e de vida. Funde-se tudo. Respiramos isto.” A confissão é de Ana Paixão que, com Pedro Gonçalves, dão a cara pela QI. Com uma colega de curso, Ana e Pedro, agora um casal, fundaram há dez anos a associação, de âmbito nacional, com um pé na consultoria e outro na formação. O seu “primeiro grande trabalho” foi um “estudo nacional para a Cáritas sobre igualdade de género”. Depois chegaram os projetos em nome próprio um pouco por todo o país…

A escassez de financiamento fez com que a QI tivesse sentido a necessidade de se reinventar, passando a jogar no campo da intervenção local. O conhecimento da Rede Social, do programa BIP/ZIP e o envolvimento na Comissão de Freguesia de Marvila, cruzado com as experiências anteriores, contribuíram para que esta adaptação ao meio fosse mais célere.

Setembro será um mês de intensa atividade para a Questão, que está na Casa dos Direitos Sociais, na Bela Vista, mas com provas dadas em várias áreas de Lisboa. É o mês do arranque de dois projetos no âmbito do BIP/ZIP nos quais a QI é uma das entidades promotoras: o “Vozes Miúdas, Ideias Graúdas” e a “Academia Sénior”. Ambos os projetos não nasceram do zero, mas a partir de projetos e parcerias anteriores.

O primeiro projeto aprovado é uma extensão do Fórum da Cidadania, “um processo que precisava de ser amadurecido”, lembra Ana. Neste âmbito “foram realizados fóruns com crianças nos vários territórios com as suas visões da cidade. As respostas foram boas, mas insuficientes”. Vários membros da comissão organizadora do fórum “criaram uma relação de trabalho tão forte, de camaradagem” que quiseram levar mais longe. Integram este projeto a Fundação Aga Khan, a Associação Humanidades, a CERCI Lisboa, a Companheiro, a Nuclisol Piaget [todos associados da Rede DLBC Lisboa], mas a ideia é “abrirem a parceria a outras organizações”. O desafio é ambicioso: impactar as comunidades de quatro áreas BIP/ZIP [zona Oriental, Benfica, Penha de França e Bairro São João de Brito].

O “Vozes Miúdas, Ideias Graúdas” vai ser apresentado em várias escolas do 1º ciclo no arranque do ano letivo. “A participação [das crianças] tem que ser voluntária”. Num primeiro momento vão ser estas crianças a apresentarem as suas ideias e necessidades à comunidade. Pelo meio haverá oficinas de capacitação e projetos próprios. O objetivo é, até junho, decorrer a primeira assembleia de crianças da cidade. A ideia é juntá-las todas e apresentar o trabalho que estiveram a fazer” à cidade.

Já a “Academia Sénior” é, nas palavras de Pedro, um trabalho de “continuidade”, fruto de uma “empatia” gerada com a Associação de Moradores das Amendoeiras num projeto anterior. A ocupação das pessoas séniores, para além da ida rotineira ao café, era uma preocupação antiga da Associação.

Aliás, esta candidatura foi preparada com inputs de futuros participantes, que acabaram por manifestar os seus interesses. As disciplinas lecionadas passarão pela Informática, Ginástica, Teatro, Tai-chi, Fotografia e… História das Mulheres e Feminismos. Os promotores deste projeto quiseram introduzir este “toque de inovação”, uma “componente para a sensibilização da igualdade, violência doméstica e/ou contra idosos” coordenada particularmente pela QI e a Quebrar o Silêncio. O enfoque na intergeracionalidade é outro dos objetivos, replicando boas práticas trazidas de um projeto já implementado no Alentejo pela QI: “Pretendemos que os próprios alunos da Academia, com genuíno interesse nestas áreas, vão às escolas do bairro como agentes de sensibilização para a questões de igualdade e violência no namoro”.

Um dos maiores orgulhos da QI é um vasto painel composto por mais de mil lenços com frases de namorados, pintado e cosido a várias mãos, no âmbito da Campanha de prevenção de combate à violência dos namorados. “Está farto de viajar e tem sido solicitado para muitos eventos”.

Na Rede DLBC Lisboa Pedro e Ana estão disponíveis para dar formação a outros associados em matéria de igualdade e conciliação, por exemplo. Da equipa técnica esperam ações de capacitação no terreno para elaboração de candidaturas e captação de financiamentos, entrevistas a financiadores e ao público impactado pelos associados. Outra sugestão é a criação de um dia de “Portas Abertas”. Esperam que daqui a um ano a Rede seja “mais sólida, mais participada” e que todos os associados “sintam que fazem parte de uma rede que dá a cara por elas e que vai lutar pelos seus interesses”.

 

Clube Intercultural Europeu

Teresa Simões entrou em fevereiro no Clube Intercultural Europeu para “criar o departamento de Comunicação”, mas parece vestir a camisola da associação há anos.

Designer gráfica com experiência em produção de eventos e na área do associativismo, Teresa faz de tudo um pouco no Clube: intercala, por exemplo, a nossa conversa no Espaço C3 com a abertura de portas a coworkers, voluntários e operários.

Esta não é a sede oficial do Clube, mas Teresa tem vindo para o espaço de cowork partilhar a mesa com um público muito internacional, fazendo jus à filosofia da associação. Fruto de um programa BIP/ZIP, o C3 surge da necessidade manifestada por um grupo informal de jovens do antigo bairro da Curraleira ter uma sala de convívio, criação, ensaio e gravação. O Clube conseguiu transformar um albergue de consumo de estupefacientes num pólo de cidadania e criatividade: estúdio e espaço de cowork e de formação ao mesmo tempo.

“O objetivo era servir a comunidade e abrir as portas a outras pessoas para se criarem dinâmicas e oportunidades para as pessoas que moram cá”, procurando desconstruir ideias pré-feitas sobre a atividade de um bairro social, espalhando a mensagem de que “há coisas interessantes a acontecer”. Coisas interessantes como o Festival As Costas da Cidade, que o Clube ajudou a organizar e a disseminar nas últimas semanas com a comunidade e outras associações locais.

A ligação a esta comunidade não é nova: “Temos tido projetos que nos têm aproximado. Um deles é o Sementes”, que o Clube gere há cerca de 5 anos. É um centro de apoio ao estudo, com sala de computadores e atividades de ocupação de tempos livres para crianças e jovens. “A par e passo esperamos que o espaço tenha a dinâmica que visionámos para ele”. Já agora, Teresa lembra que ainda há vagas para o espaço de cowork e que há uma sala de formação para alugar.

Além de uma missão local, o Clube é particularmente conhecido pela sua faceta internacional. Desde 2015 é uma entidade de acolhimento, envio e coordenação de Serviço Voluntário Europeu. Para além desta incumbência, recebe estagiários no âmbito do programa Erasmus+ nas áreas de Gestão de Projetos, Ciências Políticas, Tradução, Relações Internacionais, e de outros programas de mobilidade europeia. Não é difícil cruzarmo-nos por aqui com grupos de franceses e espanhóis que estão a fazer o estágio dos seus cursos técnico-profissionais.

Teresa gostava de ver a Rede DLBC Lisboa a estimular a troca de recursos materiais entre associados, mas também de boas práticas. É bom ver associados a reconhecerem a qualidade de outros associados: “O CLIP é um bom exemplo de partilha”.

Além disso, a coordenadora do departamento de Comunicação do Clube espera que a Rede DLBC Lisboa facilite contactos no geral, divulgue notícias dos outros associados, oportunidades de formação e financiamento ou ajude a criar momentos de Jobshadowing – ou seja, a experiência de um associado ir observar o dia a dia de outro associado no terreno [“seres a sombra de outra pessoa”]. E por que não um congresso nacional da Rede daqui a um ano, sugere ainda.

Setembro é um mês forte em termos de atividades para o Clube Intercultural Europeu: vem aí o projeto de BIP/ZIP “CapacitArte”, que procurará ajudar a trabalhar competências pessoais para melhorar a empregabilidade, e há novas mobilidades europeias na calha.

 

FormDefi

Há um certo ar de mudança na sede da FormDefi, na Rua Conde Redondo. Vários caixotes com livros a serem selados com fita adesiva e quadros envoltos em plástico denunciam essa transitoriedade.

A cooperativa que se segue à EPAR [Escola Profissional Almirante Reis, vendida em 2017] não só vai ganhar um novo espaço, como uma nova roupagem, com alguma reciclagem à mistura. “É uma segunda vida, [mas] não temos medos. Estamos habituados a começar de novo”, recorda Joffre Justino, presidente da FormDefi – Desenvolvimento, Ensino, Formação e Inserção, CRL. “Vamos concentrarmo-nos naquilo que a EPAR fazia apenas subsidiariamente: a inserção social e profissional”. “Por opção”, a cooperativa deixou de ser uma entidade formadora reconhecida, embora pretenda continuar a organizar atividades formativas de curta duração, como seminários e workshops, por exemplo em áreas como o Neuromarketing e Atendimento.

A poucas horas de embarcar para Cabo Verde, Joffre, moçambicano de berço e “angolano de coração”, começa por nos fazer uma visita guiada por um espaço adornado com uma série de quadros que espelham bem as suas “ligações africanas”, e as da diretora financeira Natália Fox e do coordenador das Novas Tecnologias Heitor Fox, também moçambicanos.

Nesta nova vida, a promoção da lusofonia vai passar a ser uma prioridade: “Estamos interessados em retomar a ligação à CPLP” [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]. É neste sentido que a FormDefi está a preparar para Angola um projeto de formação na área das pescas e outro de apoio aos eleitos do poder local. Também está a ser desenhado um gabinete de apoio a pessoas dos PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa] que venham a Portugal tratar de questões de saúde por um período de tempo considerável.

Também o jornal online e multimédia “Estrategizando” faz parte desta estratégia “a longo prazo”. O objetivo é que este “grande projeto de eleição” da nova cooperativa, destinado a cidadãos de expressão portuguesa, se torne sustentável financeiramente já no início do próximo ano e “que seja cada vez mais um jornal online da CPLP”, um espaço de “reflexão e ação”. Por isso mesmo a FormDefi quer apostar cada vez mais em debates sobre questões de cidadania dentro do espaço da CPLP. Por exemplo, a 15 de setembro, no Dia Internacional da Democracia, vai organizar uma discussão sobre o estado da arte deste regime político.

Começamos o périplo na biblioteca, onde encontramos os tais caixotes com livros da mais variada ordem – romances, livros de Economia, Turismo e Gestão. “Têm a ver com as disciplinas dadas na escola”. Com cerca de 25 anos de património, a cooperativa e “escola laica, republicana e solidária” EPAR, sita no Bairro da Graça, seguiu-se a uma empresa de consultoria na área dos Recursos Humanos para organizações. “Demos muita formação durante a Expo 98, sobretudo na área da hotelaria e na AutoEuropa”. Público-alvo? Jovens e adultos.

Neste quarto de século de EPAR, Joffre destaca ainda o “Integrar”, um projeto de formação, sensibilização, dinamização cultural e organização de rede de associações que mobilizou mais de mil pessoas e que impactou especialmente lisboetas vindos de outros países lusófonos. “Permitiu que algumas associações percebessem o seu papel na estrutura social portuguesa. O próprio Alto Comissariado para as Migrações bebeu imenso da informação [produzida] nessa altura.”

Nas próximas instalações, na Avenida Santa Joana Princesa, em Alvalade, a FormDefi quer “desenvolver atividades que tenham a ver com inserção social, profissional e cultural das populações que nos rodeiam” já a partir de janeiro de 2019.

Para já, vem aí um período de conversas e (re)conhecimento dos principais agentes sociais a operar no território para onde se vão mudar de malas e bagagens: “contamos com a Rede DLBC Lisboa para identificação e facilitação de contactos de associações à volta”. Depois virá um período de promoção da própria cooperativa e do desenho das atividades com a comunidade.

Paralelamente, daqui um ano Joffre Justino gostava que a Rede DLBC Lisboa fosse “capaz de criar um sistema organizativo com os associados” que facilitasse apoios pontuais para atividades concretas, por exemplo, na cedência de um espaço para colóquios ou workshops ou na indicação de atores no terreno que possam vir a ser potenciais parceiros.

Da parte da FormDefi os outros associados podem contar com “a disponibilização de equipamentos pontualmente”, com o know how de “trinta anos de atividade associativa” e na área da formação (“até para dirigentes associativos”), ou com o seu contributo para a organização de um evento online para aumentar o sentido de pertença dentro da rede, “via Skype”.

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