O que têm a Dress For Success, a Cafinvenções, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres e a Kriolart em comum? São associações com gente lá dentro – cidadãs e cidadãos dinâmicos e repletos de ideias – a lutar e a agir no terreno por uma sociedade mais justa. Pertencem à Rede DLBC Lisboa e querem vê-la mais coesa, colaborativa, unida e ativa. Vamos conhecer melhor a nossa rede por dentro?
Arrancou na passada terça-feira o primeiro Ciclo de Visitas “Comunicar (n)A Rede In Loco“* na sede da Dress For Success, no Campo Mártires da Pátria. Ao longo de um mês, a equipa técnica da Rede DLBC Lisboa está a galgar os territórios nos quais os nossos associados põem diariamente a mão na massa e a ouvir as suas preocupações, necessidades e expetativas.
A comunicação da Rede DLBC Lisboa é o principal pretexto destas conversas, mas acabamos a falar de tudo e mais alguma coisa – das próximas atividades e projetos das associações, de ferramentas úteis para dinamizar a rede, do sentido que continua a fazer trabalhar no terceiro setor, apesar das dificuldades.
Olhos nos olhos, ouvidos à escuta, para nos conhecermos melhor, reduzir distâncias, cocriarmos e crescermos juntos e impactarmos melhor as comunidades abrangidas pela Estratégia de Desenvolvimento Local.
Kriolart
É início de tarde de sexta-feira. Estamos em Alfama, na Rua do Vigário, sob um sol tórrido.
À porta da loja e sede da Kriolart somos recebidos de coração aberto por Carlos Mourão, o presidente de uma associação com cerca de três anos vividos a muito custo… mas já lá vamos.
Mal entramos, não é difícil captar de imediato a essência da Kriolart – Associação Para a Promoção da Arte e da Cultura. Compõem o cenário peças de artesanato em materiais reciclados [cortiça e bambu], instrumentos musicais, t-shirts tingidas recorrendo à técnica tie-dye, quadros com frases de Gandhi, Luther King e Pessoa e… computadores. Uma cliente e vizinha, que já esteve para entrar ali várias vezes, ganha coragem e transpõe finalmente a soleira da porta e Carlos pergunta-lhe, em crioulo, de onde é. Ela responde “Tarrafal”. Naquele momento, a distância de Cabo Verde encurta-se. Tal como se esbate quando falamos dos graus de parentesco da morna, do fado e do landum.
Muitas ideias são partilhadas pelo Carlos ao longo da conversa, mas é esta frase que repete várias vezes que sintetiza o que espera da Rede DLBC Lisboa, em particular, e da humanidade, em geral: “Quando há boa vontade, tudo funciona” – uma boa vontade que reconhece, por exemplo, no pessoal da Associação dos Antigos Alunos do Liceu Gil Eanes. Com este grupo, já deu a conhecer a sua poesia, lançou livros, pôde expor e vender algumas das suas peças de artesanato. Também à boleia desta boa vontade já levou com estes amigos a palco “Só mais uma Dose”, uma peça de teatro sobre o alcoolismo que culmina num workshop com o psiquiatra Luís Patrício.
Tal como Luther King, Mourão também tem um pé no sonho e outro na ação. Gostava que a Kriolart pudesse desenvolver melhor esta vertente cultural e para isso gostava de contar com uma Rede DLBC Lisboa mais “pragmática”, que ajudasse a “desbloquear”, “a fazer pontes ou a apoiar a sua associação em candidaturas a programas de financiamento.
O presidente da Kriolart sugere ainda trocas de serviços ou valências entre associados. Por exemplo, sendo entendido em hardware, podia consertar computadores ou dar formação nesta área. Até podia fazer locução em crioulo, como já fez noutros contextos. Em troca, ou por um valor simbólico, gostaria que o auxiliassem na construção de um site e um logótipo novos, ou lhe cedessem um espaço para expor as suas peças, apresentar a sua poesia e música e “criar dinâmicas com outros artesãos locais”. “Isto enquadra-se na economia social”, uma alternativa que gostava de ver brotar com mais energia à sua volta, inclusive na Rede.
“Muitas vezes, as pessoas que estão no terreno deviam ser ajudadas em concreto, porque são elas que acreditam realmente no desenvolvimento sustentado”, remata Carlos Mourão.
Cafinvenções
Pouca terra, pouca terra, u-uuu!
O comboio está a passar bem pertinho do espaço “polivalente” da Cafinvenções, que já é curto para tantos anos de património cultural e familiar, bem como para as aspirações das “manas” Baptista.
E não nos lembrámos deste som agora por acaso: “A linha de comboio está cheia de lixo”, desabafa Carla Baptista, uma das manas que sinalizou este problema de higiene urbana numa reunião da Comissão Social da Freguesia de Benfica, da qual faz parte a sua associação, bem como a Junta de Freguesia e a GEBALIS. Filipa Baptista, a outra mana, concretiza: “São brinquedos de plástico que as crianças já não usam, carrinhos, embalagens, etc.”.
É precisamente à volta desse lixo que vão ser realizadas as próximas ações de sensibilização nos bairros do Bom Pastor e Boa Vista, já a partir de setembro, pelas mãos da Cafinvenções no âmbito do eixo da Cidadania Ativa da Comissão: “Acharam curiosa a nossa ideia, porque queríamos intervir”, lembra Carla. Nesta atividade vai-se falar de ecopontos e limpeza de monos, por exemplo. Mais e melhor educação e cultura. É por aí o caminho, acredita.
Curiosamente a palavra “lixo” vem à baila várias vezes durante a visita guiada ao espaço “tetris” da Cafinvenções – mas falamos de “lixo” que foi reciclado para conceber alguns dos adereços das animações da dupla. Muitas das peças de marionetas são recicladas, até porque há temas [como o racismo] que continuam tão pertinentes hoje como quando o seu pai, o Mestre Filipe, andava pelo país, em empresas e escolas, a fazer animação sociocultural, quando esta ainda era uma criança em Portugal.
Podíamos dizer que este “tetris” muito bem arrumadinho e bem aproveitado é, para além de um palco, uma oficina, um armazém e um espaço para workshops, mas também um museu recheado de memórias – de fotografias, fatiotas, marionetas, material promocional de outros tempos, etc. “A gente cresceu nisto. Ia com ele [o pai] para aqui e para ali. A minha área era arte e design. Ele precisava de ajuda para pintar e, então, pronto, fui entrando. Depois porque estava lá, ia representar. Depois veio a Filipa, que entrou para o escritório” quando o Mestre Filipe se profissionalizou e a companhia começou a crescer.
Apesar da paixão e do sorriso com que desvelam uma intensa história familiar que quase se confunde com a profissional, e com que vão levantando o véu sobre os planos para o futuro, não escondem as preocupações prementes do dia a dia: a precariedade laboral e a falta de uma sala extra para acolher atividades destinadas a um público mais abrangente.
Esperam e querem ajudar a mobilizar uma Rede DLBC Lisboa mais aberta e unida. A Rede “tem que servir para nos conhecermos realmente e vermos onde podemos colaborar uns com os outros”. Como? Ideias e invenções não faltam: através de uma feira que pudesse ajudar a financiar as associações, de um grupo de Facebook onde cada associado pudesse partilhar as suas necessidades e trocar recursos ou de um mapa que georreferenciasse todas as associações da Rede. A Cafinvenções, aliás, já mapeou noutro contexto algumas associações da sociedade civil a intervir num terreno que conhecem como a palma da sua mão: Benfica. E por falar em Benfica, as duas manas lançam um repto aos restantes 165 associados: “Convidamos todos os que quiserem vir aqui”, porque “as pessoas só contam umas com as outras quando se conhecem, quando convivem e criam afinidades”.
Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres
Dentro do Parque Infantil de Monsanto, damos de caras com um edifício moderno que tem o pulmão verde da cidade de Lisboa como decoração natural, uma imagem devolvida pelos vidros-espelhos que lhe servem de parede. É o Centro Maria Alzira Lemos – Casa das Associações, onde nos encontramos com Alexandra Silva, representante da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres [PPDM].
Fundada em 2004, a Plataforma não é uma associação. É também uma rede – neste caso, nacional – composta por vinte e seis organizações apostadas na promoção dos direitos humanos e, por isso, da igualdade entre mulheres de homens. “Nos últimos dois anos quase que duplicámos o número de organizações-membro, o que resulta do nosso trabalho e do eco desse trabalho”, conta Alexandra.
E que trabalho é esse? “Esperamos que tenha sempre influência na construção de políticas: contribuímos todos os dias a nível da paridade no poder político e económico”. Além do fortalecimento das associações e da monitorização das políticas públicas na área da Igualdade, a PPDM tem provas dadas na produção de conhecimento.
A Plataforma não atua diretamente junto do público final, procurando, antes, “estabelecer relações de proximidade entre as organizações” que trabalham no terreno junto, por exemplo, de vítimas de violência de género. Estas organizações por vezes vêm a Monsanto ao gabinete técnico, onde lhes é facultada informação de toda a ordem, inclusive sobre financiamentos. “Também damos apoio à elaboração de candidaturas.”
Um dos papéis centrais da PPDM é capacitar as organizações associadas com formação mais ou menos formal ou através de conferências, workshops, seminários e sessões informativas. Neste verão, as formações têm-se focado na área da Comunicação. Têm sido lançadas pistas sobre como interagir com os media de forma escrita ou oral ou sobre como deve ser elaborado um Plano de Comunicação no terceiro setor. “Sabemos do poder da comunicação na divulgação do trabalho que fazemos”, acrescenta. Neste campo, Alexandra lembra o poder do “storytelling” [histórias na primeira pessoa] e do “call to action“. Aliás, não é por acaso que a Plataforma disponibiliza, no seu site, um “toolkit do Ativismo Feminista”.
E porque é que uma rede adere a outra rede, como a Rede DLBC Lisboa? “Estamos em várias. Uma rede acrescenta sempre valor na troca de informação, na partilha de experiências e do conhecimento que nos dá do terreno.”
Dos outros associados da Rede DLBC Lisboa espera receber “o que gostamos de partilhar”: cada vez mais informação sobre que é feito em termos de monitorização de políticas públicas, o seu calendário de atividades, e espaços para atividades públicas.
E porque a Plataforma procura acrescentar uma perspetiva internacional sobre o trabalho que desenvolve, já em setembro vai organizar em Lisboa um seminário sobre Prostituição com pessoas que pensam e trabalham este tema noutras latitudes a nível de políticas públicas.
Dress For Success
A uns passos do Jardim do Torel, batemos à porta da Dress For Success [DFS]. Enquanto esperamos, vamos observando as indumentárias e os adereços que servem de cartão de visita à “sucursal” lisboeta da organização fundada pela norte-americana Nancy Lublin.
No fim da visita, a nossa cicerone, Filipa Gonçalves, confessa-nos que gostava que saíssemos dali com esta imagem: a roupa e os sapatos que ajudam mulheres economicamente desfavorecidas a conquistarem “autoestima” e um emprego, sim, mas também “o espírito” e “a realidade” da associação.
Estamos numa boutique recheada de peças selecionadas criteriosamente a partir de um molho de roupa doada. “A roupa é mais um acessório, porque o que tentamos vestir é de dentro para fora. Se aceitarmos como estamos, depois é muito mais fácil conseguirmos fazer a transformação. A mudança é aqui que se cria.”
Filipa trabalhou na área dos Recursos Humanos no meio empresarial durante vários anos, entrou em 2013 como voluntária na Dress For Success [DFS] e é desde Abril vice-presidente desta instituição sem fins lucrativos.
O início de atividade da DFS em Lisboa remonta a 2011 e, sete anos depois, a associação presta consultoria de imagem e atendimento personalizado nas suas instalações em dois espaços distintos: na Boutique e no Centro de Carreira. Neste último espaço é feita a análise dos perfis e Curricula Vitae e desenvolvem-se competências de marketing pessoal.
As mulheres que acorrem à Dress chegam ali por indicação de parceiros sociais, do IEFP, das redes sociais ou na sequência de uma ação de sensibilização feita no terreno – vêm de Lisboa, mas também de Setúbal, Cascais ou Vila Franca de Xira. Outras atividades da DFS passam pela organização do Mercado Salto Alto ou ainda por Programas em áreas como a Inclusão social, a Integração e a Retenção do trabalho.
Agora que está num cargo de maior responsabilidade dentro da associação, Filipa tem olhado para o terceiro setor com mais atenção. “Em alguns eventos na área social em que estou presente, a ideia que tenho é que somos muitos, mas não nos conhecemos. Está tudo disperso. Devia haver um link qualquer através do qual pudéssemos saber o que cada um faz. Acabamos por viver o nosso próprio mundo e às vezes teríamos que ter tempo para saber o que os outros fazem. “
Espera que, daqui a um ano, a Rede DLBC Lisboa seja vista, além de “um recurso complementar à comunicação” que já fazem, como “um espaço de partilha” que contribua para a “criação de sinergias”. A vice-presidente da DFS gostaria, nesse sentido, de ver organizados um encontro anual para “reacender o poder da entreajuda” entre associações e alguns workshops regulares à volta de uma mesa “com café e bolinhos”.
Apesar da Dress já contar com várias parcerias no terreno, Filipa considera que os associados podem ajudar a DFS ao “canalizar mulheres até nós”.
* A cada semana vamos atualizar o nosso site e Facebook com artigos e fotografias a reportar as nossas visitas aos associados. Queremos divulgar e difundir o valor e o potencial da Rede DLBC Lisboa e pensar em conjunto uma estratégia de comunicação que ative efetivamente o sentido e sentimento de rede.
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